O Latim apetrechado de asas por Frederico Lourenço. O que nos diz Maria do Rosário Laureano Santos.

“Vou partilhar um segredo convosco. A beleza absoluta existe. É a língua latina.” Assim se nos dirigiu Frederico Lourenço (especialista em Línguas e Literaturas Clássicas, professor, escritor, tradutor) na sua primeira lição de Latim via Facebook no dia 17 de Março de 2020. Não poderia haver melhor promessa para as lições que se seguirão.

Com Frederico Lourenço, o Latim ganha asas, ou melhor, apetrecha-se, equipa-se de asas tal como o discurso se assume na Antiguidade. A prova está na Odisseia de Homero, também ela traduzida por Frederico Lourenço para as Edições Cotovia (2003). No Canto I (p. 28), a deusa Atena dirige-se a Ítaca onde se encontra o filho de Ulisses, Telémaco, desanimado pela longa ausência do pai e pela presença dos pretendentes à sua mãe, Penélope, que lhe devoram os bens. Atena vai animar Telémaco e prepará-lo para o regresso do pai. Os deuses assim o decidiram. Atena dirige-se a Telémaco e Frederico Lourenço traduz o momento em que a deusa se prepara para falar do seguinte modo: “E falando-lhe palavras profere apetrechadas de asas.” As palavras são preciosas, são pérolas que saem da boca voando.

Maria do Rosário Laureano Santos, no seu textoItinerários Romanos: Percursos Culturais Perenes” para o livro Horizontes Artísticos da Lusitânia, refere-se ao Latim e à cultura clássica como heranças da Europa Ocidental. Uma herança que somos nós, que está na nossa língua e que o Latim pode explicar:

“Para tornar apenas mais evidente a realidade de que falamos, relembramos que cerca de 80% do vocabulário do português é proveniente do Latim; são também muito numerosas as marcas gramaticais – fonéticas, morfológicas, sintácticas – da nossa língua dele derivadas. Na língua portuguesa, encontram-se várias expressões latinas, algumas das quais são pouco perceptíveis para os leitores ou falantes dos dias de hoje, por exemplo, saber de cor ou fazer jus. (…) O Latim está, pois, muito presente não só no português, mas também nas línguas actuais, de formas diversas, quer sejam, ou não, de origem românica.

Por isso, mesmo que seja por pouco tempo (ou que o aluno inicie o Latim já na Faculdade), o estudo da língua latina traz muitos benefícios: desenvolve o pensamento linguístico e literário, e a memória; promove o conhecimento das línguas românicas e de outras línguas de origem diversa, por exemplo, do inglês, que revela uma estreita ligação ao latim, principalmente em textos técnicos, em que as expressões in loco, ex loco, a priori, etc., têm ainda um papel fulcral para a transmissão da mensagem pretendida. Para as Humanidades, numa fase mais avançada do estudo, o contacto directo com as obras dos autores latinos, que exigem uma leitura lenta, sem pressa, faz destacar nitidamente a dinâmica e a harmonia da linguagem, deixando sobressair os aspectos literários do texto”1

 

 

1 SANTOS, Maria do Rosário Laureano (2019). Itinerários Romanos: Percursos Culturais Perenes. Horizontes artísticos da Lusitânia. Dinâmicas da Antiguidade Clássica e Tardia em Portugal. Séculos I a VIII. Amadora, Canto Redondo, p. 53-54.